domingo, 27 de março de 2016

CRÓNICAS DE AMIGO

CRÓNICAS DE AMIGO

O inevitável fim tormentoso da Base das Lajes

A doutrina de Obama
O Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, foi laureado no inicio do seu mandato com o prémio Nobel da Paz. Antes dele receberam idêntica distinção dois outros Presidentes: Woodrow Wilson por ter constituído a Liga das Nações Unidas que antecedeu a ONU, com o qual Obama por vezes é comparado pela sua inteligência e por ter um pensamento político próprio e publicamente assumido, e, ainda, Jimmy Carter pelas suas diligências e conseguidos exercícios de mediação em prol da paz mundial, mas depois de ter deixado o cargo.
O Nobel conferido a Obama surpreendeu não só por que apenas tinham decorrido 9 meses de mandato, como por não haver um facto ou ato notável, a favor da paz, associado à distinção individual. Porventura, foi a primeira vez que um prémio Nobel foi concebido não por feito realizado, mas como um forte estimulo a que um desejado e valoroso feito fosse no futuro uma evidência.
O que aconteceu depois foi que nenhum ato ou facto para promover a Paz foi praticado ou promovido por Obama para pacificar o Mundo e que justificasse o valioso galardão, antecipadamente atribuído. Nem a morte do terrorista Osama bin Laden. Porém, e já no último terço do seu segundo mandato, é possível destacar dois ou três acontecimentos internacionais de relevo que a diplomacia americana influenciou ou mesmo determinou: a assinatura do “sempre adiado acordo” pelas grandes economias, celebrado recentemente em de Paris sobre a prevenção das perigosas alterações climáticas para a sobrevivência do Planeta; o complexo tratado que institui a cooperação comercial internacional “Trans-Pacifc Partnership”; o ressuscitado acordo internacional, com a participação da Rússia, sobre o desarmamento progressivo ou o armamento lento nuclear do Irão, que permitiu levantar o violento embargo económico que pendia sobre aquele país; por fim, o reatamento do relacionamento entre os Estados Unidos e Cuba que terminou com uma festiva visita de Obama a Cuba, com Fidel escondido por detrás do Biombo. Não foi anunciado o tão desejado levantamento do embargo económico a Cuba, porém, “sim, mas não se sabe quando” disse Obama ao povo cubano.
Talvez, seja mesmo como Obama pensa, “pouco se consegue no plano internacional sem a liderança dos Estados Unidos”. Tal como o demonstrou, embora no final do seu segundo mandato.
A relevância internacional americana é defendida numa entrevista extensa e profunda, entretanto disponibilizada na Net, concedida por Obama à revista mensal
The Atlantic, interessante título, mas que só será publicada na edição do próximo mês de Abril. Nessa entrevista, o Presidente dos Estados Unidos, no diálogo mantido com Jeffrey Golberg, que produz um notável trabalho jornalístico, discorre acerca das suas pesadas decisões sobre o papel da América no Mundo e explicita o seu próprio pensamento estratégico – A Obama Doctrine – como se começa já a denominar. Uma doutrina que se opõe ao Manual de Washington ou seja o tradicional e religiosamente respeitado modo de procedimento no relacionamento com o resto do Mundo que assenta fundamentalmente no poder militar e no uso da força, o que, de acordo com Obama, prejudica decisões apropriadas e razoáveis.
A frágil União Europeia
Nessa importante entrevista Obama observa a Europa – França e Inglaterra - e refere em tom pouco “romântico” a sua cooperação na intervenção conjunta da Líbia. “Free riders”, apelida-os, para significar que a Europa quer apenas os benefícios, mas não os custos. E o que nela vê não a favorece nem lhe augura um futuro promissor. Obama considera a Europa sem estratégia nem iniciativa consistente no plano internacional.
Pode ler-se na entrevista, para Obama, a Asia representa o futuro. Africa e América Latina, merecem mais atenção dos Estados Unidos do que aquela que recebem. A Europa necessita de estabilidade. O Médio Oriente é uma região para esquecer e que graças à revolução energética americana, brevemente terá uma relevância negligenciável para a economia dos Estados Unidos.
O que tudo isso tem a ver com os Açores?
Uma má notícia
Foi com essa expressão que o Primeiro ministro e o Presidente do Governo regional acomodaram nos seus sentimentos políticos a dolorosa nova: o Departamento da Defesa dos Estados Unidos entregara no Congresso um relatório que exclui a hipótese da Base das Lajes de hospedar um centro importante de informações, que estava e continuará planeado para Inglaterra, ou qualquer outro uso alternativo, confirmou o Pentágono. Duro comunicado.
A Base Aérea de Croughton, no Reino Unido, permanece como a localização ótima para o Complexo de Análise de Informação Conjunta, tendo acrescentado o mesmo porta-voz do Pentágono que dados os requisitos operacionais das missões atuais, neste momento não existem usos alternativos para as Lajes (...) e que no entanto, o Pentágono irá continuar a considerar o valor estratégico da presença dos EUA e da NATO nos Açores. Curiosa a referência à NATO, que me parece uma antecipação, dissuasora, quanto à iniciativa portuguesa a que seguir farei referência.
Uma crença
A esperança nacional e regional assentava na fé e não na razão, ou seja, no bom resultado do lobby congressista e das múltiplas e sonoras diligências feitas por um empenhado Congressista americano com antepassados açorianos e com uma posição política de relevo, pois é presidente de Comissão com competência na matéria. Todavia, em 23 de outubro de 2015, o Presidente Obama vetaria o orçamento de Defesa dos Estados Unidos pelas razões que ele próprio explicitou: o documento, infelizmente, falha em três áreas fundamentais: primeiro, mantém uma situação que é inadequada para financiarmos os nossos militares de uma forma estável; depois, não permite que as forças militares se modernizem e sejam mais eficientes; o último ponto, é que esta legislação nos impede de fechar Guantánamo, referindo-se a que o Orçamento não permitia o uso fundos para transferir prisioneiros desta prisão até ao final do próximo ano. Para Obama a manutenção da prisão é contraproducente aos esforços para derrotar o terrorismo em todo o Mundo e um dos principais mecanismos de recrutamento para os jihadistas. Obama pressentia que não conseguiria cumprir uma das suas mais apelativas promessas eleitorais: o encerramento da prisão que encarcera os suspeitos de atividades terroristas após o violento atentado de 11 de Setembro de 2011. Ninguém em Portugal valorizou a decisão de Obama que prenunciava o que a seguir se veio a verificar. Era o Manual de Washington contra a Obama Doctrine.
O mencionado Orçamento é o mesmo onde se lê que o departamento da Defesa deveria elaborar até 1 de março de 2016 um relatório fundamentado sobre as verdadeiras valências da base das Lajes, incluindo a sua capacidade de receber um centro de informações como o projetado para o Grã Bretanha. O funesto relatório foi conhecido na passada segunda feira. A dita triste notícia para os governantes portugueses.
... trancas à porta e “free riders”
No dia seguinte ao da divulgação do relatório do Departamento de Defesa dos Estados Unidos era dado conhecimento público de um comunicado do Governo português que anunciava estar a ultimar e ir entregar, em breve, uma proposta de revisão do Acordo de Defesa com os Estados Unidos da América, cuja apresentação ficara acordada na Comissão Bilateral Permanente em Junho de 2015. Nove meses depois?! A razão da delonga provavelmente decorre do excesso de confiança no sucesso das diligências dos Congressistas que, expressa e ruidosamente, evidenciavam preferir os Açores à Inglaterra com região hospedeira do novo centro de comunicações.
Seguir-se-á um processo negocial longo entre poderes desiguais. Os Estados Unidos, no caso, adoptarão o comportamento do “free Riders” – proveitos sem custos - e não estarão preparados para suspender o programa em curso de redução dos efetivos e da atividade militar na Base das Lajes.
Indiscutivelmente é a Portugal que incumbe o desenvolvimento dos Açores. É certo que o Acordo em vigor não prevê contrapartidas ou qualquer tipo de compensação em caso de redução unilateral e significativa da atividade ou de completa cessação e que a Região Autónoma durante alguns anos recebeu uma retribuição cuja fatia final foi canalizada para a Fundação Luso Americana para o Desenvolvimento. É verdade que Portugal deixou para o último dia a resolução do problema. É seguro que os Estados Unidos deslocaram o eixo geográfico dos seus interesses internacionais e optaram pelo “isolacionismo com drones”, como já é classificada a atual política internacional americana. É igualmente indiscutível, certo, seguro e verdadeiro que a população destas Ilhas Atlânticas foi hospitaleira, solidária para com os americanos e romanticamente acomodou o enorme risco de durante décadas dar guarida a militares, equipamento bélico, assim como conceder facilidades de uso do seu território para fins de guerra a uma potência nuclear. A presença militar e o uso do território teve perigos e gerou condicionamentos sociais e económicos que limitaram expectativas e opções alternativas. É justo, justificado e necessário que cessando completamente a presença americana na Base das Lajes a Região Autónoma beneficie da cooperação dos Estados Unidos, que usaram o seu território, para que ao “terreiro” – expressão de Nemésio - possa ser dado uma nova e produtiva

finalidade. É justo, justificado, e também interessante para os Estados Unidos, que à prorrogação do Acordo, independentemente do modelo, seja a Região Autónoma compensada pelos condicionamentos emergentes e fixadas as condições e termos de cessação do mesmo.
Álvaro Dâmaso 

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015


Antes...
Ainda existia Deus


Nesta Noite de Natal
Fria e sem Lua
Um pobre e desalojado casal
Batia ao portal da rua,
Não do abandonado tugúrio
Feito de doloroso murmúrio
E de mau augúrio,
Mas de edifício iluminado
Onde alegre festa acontecia:
O bebé era mimado
O menino Jesus sorria
E o adulto deglutia saborosa iguaria.
O pórtico não se abria
O estômago não encolhia
O vento apagou a candeia
A noite escura ficou feia
A fome aumentou com o frio...
Sem eira nem aquela beira
O casal não suportou o suplício
De uma vida, doloroso resquício;
Do bom, do belo, do reconfortante
Tão perto e tão funestamente distante
Que sucumbindo implorou
Ao Menino que se o portal abrisse
O alimento e o convívio dar quisesse
O seu amor eterno Lhe prometia;
Amor verdadeiro de verdadeiro ser
Que esta Noite na Terra o Céu via
Só um momento sobrava para ter
A felicidade de um interminável dia...
E acreditando que ainda aconteceria
No sono terno cairia...
Quando a festa terminou
O carro do Município passou
E seus corpos com lixo misturou.

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